O glaucoma primário de ângulo aberto é tão mais frequente no nosso meio do que o de ângulo estreito, que ao nos depararmos com um paciente com a PIO elevada e câmara rasa, nos sentimos muitas vezes confusos com o que deve ser feito a seguir. Infelizmente, muitas vezes os pacientes não são submetidos à uma gonioscopia bem feita, que é essencial para o diagnóstico e conduta adequados nesses casos. É importante que o oftalmologista conheça as diferentes possibilidades nesses casos, levando à melhor condução possível para o paciente, e é pra isso que elaboramos esse conteúdo.

DEFINIÇÕES

  • Suspeito de fechamento angular: contato iridotrabecular >= 180º, sem evidência de lesão trabecular ou do disco óptico;
  • Fechamento angular primário: contato iridotrabecular >= 180 º com elevação da PIO ou sinéquias anteriores periféricas, sem lesão no disco óptico. Não há uma condição levando a esse quadro, somente características anatômicas;
  • Glaucoma primário de fechamento angular: Fechamento angular primário + neuropatia óptica;
  • Crise de fechamento angular: ângulo fechado com elevação sintomática da PIO
  • Configuração de íris em plateau: contato iridotrabecular refratário à iridotomia patente, sem elevação da PIO após dilatação pupilar;
  • Síndrome da íris em plateau: contato iridotrabecular refratário à iridotomia patente com elevação da PIO após dilatação pupilar (pelo menos 6 mmHg).

QUADRO CLÍNICO

Sintomas da crise de fechamento angular:

  • Dor ocular
  • Cefaleia
  • Embaçamento visual
  • Halos coloridos ao redor das luzes
  • Náuseas e vômitos
Crise de fechamento angular glaucoma agudo
Figura: Crise de fechamento angular (glaucoma agudo).
Fonte: Kanski Oftalmologia Clínica, 8 ed, p. 555.

Fatores de risco

  • Idade (> 40 anos)
  • Sexo feminino
  • Asiáticos
  • História familiar
  • Hipermetropia

Medicamentos que podem desencadear crise de fechamento angular (informar o paciente dos riscos e considerar a realização de iridotomia em pacientes predispostos que necessitem do uso dessas medicações):

  • Medicamentos para refriados e alergias
    • agentes adrenérgicos, como fenilefrina
    • agentes anti-histamínicos, como difenidramina
  • Medicamentos broncodilatadores
    • Ipratrópio e Tiotrópio
  • Medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos
    • Inibidores da recaptação da serotonina, como Fluoxetina e Paroxetina
    • Tricíclicos, como Amitriptilina e Imipramina
    • Ansiolíticos anti-histamínicos, como hidroxizina
    • Fenotiazinicos como Clorpromazina
  • Antiespasmódicos urológicos (usados para incontinência urinária)
    • Tolterodina e Oxibutina
  • Medicamentos gastrointestinais
    • Cimetidina e Ranitidina
  • Relaxantes musculares
    • Orfenadrina e Triexifenidil
  • Medicamentos anti-eméticos
    • Prometazina

EXAME FÍSICO

Biomicroscopia na crise de fechamento angular:

Pupila em médio-midríase e pouco reagente

Edema de córnea

Hiperemia conjuntival

Câmara anterior rasa na periferia

Flare e celularidade leve

Obs.: Glaukomflecken são opacidades subcapsulares anteriores que sinalizam episódio prévio de elevação pressórica
Obs 2.: Pupilas permanentemente dilatadas ou com áreas de atrofia também podem indicar crise prévia.

Glaukomflecken
Figura: Glaukomflecken
Fonte: Kanski Oftalmologia clínica, 8 ed, p. 556.

Gonioscopia: diferenciar o fechamento aposicional (reversível) do sinequial (irreversível). A indentação é a manobra utilizada para diferenciar fechamento angular causada por aposição da íris, do causado por goniossinéquias.

Sinequia anterior periférica gonioscopia glaucoma
Figura: Sinéquia anterior periférica.
Fonte: BCSC 2020-2021: Glaucoma, p. 50.

TRATAMENTO

Iridotomia periférica a laser

Normalmente, é realizada em uma cripta na íris superior, entre 11:00 e 1:00, aplicando-se uma energia entre 1 e 4 mJ, até observar-se a abertura do orifício na íris e a passagem do humor aquoso e pigmentos através deste. Em pacientes com óleo de silicone, entretanto, recomenda-se a iridotomia inferior para prevenir o bloqueio pupilar causado pelo óleo que pode se depositar na parte superior da câmara anterior. 

  • Suspeito de fechamento angular (controverso): considerar a preferência do paciente e o julgamento clínico, pois o risco de fechamento angular agudo é baixo
  • Fechamento angular primário: deve ser realizado, mas é controverso em olhos com sinéquias extensas e PIO >= 30 mmHg.
  • Glaucoma de ângulo fechado: deve ser realizado, mas é controverso em olhos com sinéquias extensas e PIO >= 30 mmHg.
  • Crise de fechamento angular: deve ser realizado, mas pode ser necessário tratamento clínico hipotensor prévio para melhorar o edema de córnea antes da realização do procedimento.
Antes e depois iridotomia a laser glaucoma
Figura: Antes e depois da iridotomia a laser evidenciando a abertura do ângulo.
Fonte: Kanski Oftalmologia clínica, 8 ed, p. 558.

Iridoplastia

Nos casos em que o ângulo permanece fechado, mesmo após a iridotomia, deve-se considerar o diagnóstico de íris em plateau e proceder com a iridoplastia a laser. O mecanismo desse tratamento é causar a contração da periferia da íris, reduzindo o fechamento angular aposicional.

A configuração de íris em plateau é uma característica anatômica anormal caracterizada pela anteriorização da raiz da íris, muitas vezes devido ao corpo ciliar também anteriorizado, ”empurrando” a periferia da íris . Por conta disso, esses olhos estão mais propensos ao fechamento angular, apesar da iridotomia pérvia. O diagnóstico inclusive frequentemente é feito após crise de fechamento angular apesar da iridotomia pérvia.

Lensectomia

A facectomia é uma opção se houver um componente facogênico levando ao aumento da pressão intraocular, ou se houver opacidade do cristalino, mas não está indicada como conduta de escolha para todos os pacientes com ângulo oclusível.

Trabeculectomia

Está indicada quando o tratamento a laser e o tratamento clínico com colírios hipotensores não for suficiente para controlar o glaucoma. Atenção ao risco de glaucoma por bloqueio ciliar (glaucoma maligno) no pós-operatório nesses casos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BCSC: 2020-2021 v. 10: Glaucoma.

Série Oftalmologia Brasileira: Glaucoma, 3 ed.

Kanski Oftalmologia Clínica, 8 ed.

Author

Médica formada pela Universidade Federal de Goiás. Residência Médica em Oftalmologia no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás. Fellowship em Glaucoma clínico e cirúrgico no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás.

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