Apesar de ser um diagnóstico incomum no nosso dia-a-dia, é importante conhecermos a doença da arranhadura do gato e termos em mente essa possibilidade quando estamos pensando em diagnósticos diferenciais de pacientes com uveíte posteriores. Como não é uma doença corriqueira, é normal termos alguma dificuldade para resgatarmos da memória os detalhes da apresentação e especialmente do tratamento dessa condição, e é para acabar com esse sofrimento que elaboramos esse manual.

DEFINIÇÃO

A doença da arranhadura do gato é causada pela Bartonela henselae, transmitida principalmente por arranhadura ou mordedura de gato contaminado, como o próprio nome sugere.

QUADRO CLÍNICO

O quadro sistêmico da doença da arranhadura do gato é caracterizado por febre, pápula no local da inoculação, linfadenopatia regional geralmente próximo ao local da arranhadura/mordedura, hepatoesplenomegalia, cefaleia. Pode cursar também com quadros mais graves, incluindo encefalopatia, meningite, osteomielite, pneumonia, derrame pleural e derrame pericárdico. Entretanto, os sintomas gerais são frequentemente ausentes.

EXAME FÍSICO

A doença da arranhadura do gato cursa com acometimento ocular em 5 a 10% dos pacientes, e geralmente se inicia de 2 a 3 semanas após o quadro sistêmico. São duas as principais apresentações:

  • Conjuntivite granulomatosa (figura 1)associada à necrose e linfadenopatia pré-auricular (síndrome oculoglandular de Parinaud). 
  • Neurorretinite com edema de disco óptico e exsudatos duros maculares, também chamado de estrela macular (figura 2). No segmento posterior também podem ser encontrados infiltrados retinianos, descolamento seroso de retina e membrana epirretiniana.
Síndrome oculoglandular de parinaud bartonella doenca da arranhadura do gato
Figura 1: Conjuntivite granulomatosa na Síndrome Oculoglandular de Parinaud.
Fonte: https://doi.org/10.1590/S0034-72802010000500008
Doença da arranhadura do gato - fundoscopia - estrela macular neurorretinite
Figura 2: Doença da arranhadura do gato: a fundoscopia evidencia a neuroretinite associada à infiltrados retinianos e o OCT evidencia presença de descolamento de retina seroso peripapilar e exsudatos intrarretinianos.
Fonte: BCSC 2020-2021, vol. 09: Uveitis and Ocular Inflammation, p. 260.

Outras manifestações oftalmológicas associadas à neurorretinite são:

  • Reação de câmara anterior
  • Vitreíte
  • Doença venosa e arterial oclusiva
  • Edema de disco
  • Panuveíte

EXAMES COMPLEMENTARES

  • O diagnóstico da doença da arranhadura do gato é feito com base na história epidemiológica associada à história clínica e comprovação com exames complementares, sendo a sorologia para Bartonella henselae o padrão-ouro.
  • Seu diagnóstico diferencial deve incluir outras causas de neurorretinite, como: sífilis, toxoplasmose, Lyme, toxocaríase, tuberculose, DUSN, NOIA, sarcoidose, dentre outras.

TRATAMENTO

O tratamento é controverso. Por ser uma doença auto-limitada, alguns autores referem não ser necessário tratamento, porém estudos mais recentes mostraram benefício da antibioticoterapia, havendo relatos do uso de doxiciclina, ciprofloxacino, azitromicina, rifampicina e sulfametoxazol + trimetropim. As evidências apontam mais para o uso de doxiciclina 100mg 12/12h por no mínimo 30 dias. O benefício da associação de corticoide é incerto, mas parece ser benéfico em casos de neurite intensa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Série Oftalmologia Brasileira: Uveítes, 3 ed, p. 201-204

BCSC vol. 9: Uveitis and Ocular Inflammation, p. 240-243

Kanski: Oftalmologia Clínica, 8 ed, p. 700-701.

Author

Médica formada pela Universidade Federal de Goiás. Residência Médica em Oftalmologia no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás. Fellowship em Glaucoma clínico e cirúrgico no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás.

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