Atender um paciente com celulite infecciosa no plantão de madrugada tendo saído da residência há 5 anos pode colocar qualquer oftalmologista numa saia justa! A celulite infecciosa é uma doença pode nos assustar principalmente pela possível gravidade, não só ocular, mas sistêmica, e a necessidade de prescrição de antibióticos orais que não fazem parte do nosso dia-a-dia.

É por isso que criamos esse pequeno manual com a conduta oftalmológica do manejo desses casos. Esperamos que, caso você precise disso, consiga ficar tranquilo(a) após conduzir seu paciente!

CELULITE PRÉ-SEPTAL

DEFINIÇÃO

A celulite infecciosa pré-septal acomete pálpebras e tecido subcutâneo, sem ultrapassar o septo orbitário. 

A maioria dos casos de celulite pré-septal são causados por germes Gram positivos devido a uma infecção da pele da região periocular, trauma, entre outros.

Em crianças é comum ser causado por sinusite.

SINAIS E SINTOMAS

Casos de celulite infecciosa pré-septal cursam com dor, edema e hiperemia palpebral (figura 1) que podem ser intensos, porém caracteristicamente o globo ocular está poupado, portanto não cursa com estrabismo, diplopia, proptose ou edema do nervo óptico. Pode haver febre.

Celulite periorbitaria quadro clínico e tomografia de órbita
Figura 1: Celulite pré-septal. Observe que não há acometimento intra-conal na TC de órbita.
Fonte: Kanski: Oftalmologia clínica, 8. ed. p. 158

EXAMES COMPLEMENTARES

Considerar realizar tomografia computadorizada (TC) de órbita nos casos de celulite pré-septal se:

  • for necessário descartar sinusite
  • suspeita de corpo estranho (em casos de trauma)
  • sem resposta à antibioticoterapia oral por 48 horas
  • envolvimento orbital tornar-se evidente

TRATAMENTO

Devido ao local inicial de infecção, os agentes etiológicos das celulites pré-septais costumam ser os germes de pele e o tratamento pode ser realizado com antibioticoterapia oral e não necessita de internação. O tratamento dura geralmente 10 dias.

Crianças:
Amoxicilina + Clavulanato 400mg + 57mg/5mL suspensão oral: 5 mL VO 12/12h (13-21kg) ou 10 mL VO 12/12h (22-40kg)

Crianças com alergia à penicilina:
Sulfametoxazol+Trimetoprima 200mg + 40 mg/mL suspensão oral

  • de 6 semanas a 5 meses: 5 mL VO 12/12h
  • de 6 meses a 12 anos: 10 mL 12/12h

Adultos:
Amoxicilina + Clavulanato 875/125 mg 1 cp VO 12/12h

Outras opções para adultos:

Cefalexina 500 mg 1 cp VO 6/6h

Clindamicina 300 mg 2 cp VO 8/8h

+ compressas mornas

Adultos com alergia à penicilina:
Sulfametoxazol + Trimetoprima 400 + 80 mg: 2 cp VO 12/12h

Considerar internação nos casos de celulite pré-septal, se:

  • Não for possível examinar para descartar clinicamente sinais de acometimento orbitário
  • Seguimento do paciente não é confiável
  • Progressão do quadro ou ausência de melhora em uso de antibiótico oral após 24 a 48 horas de tratamento
  • O paciente tem aparência toxêmica
  • Crianças < 5 anos

CELULITE PÓS-SEPTAL

DEFINIÇÃO

A celulite infecciosa pós-septal (ou orbitária propriamente dita, já que realmente acomete o espaço posterior ao septo orbitário) é um processo infeccioso mais grave. A principal fonte de infecção advém dos seios paranasais (etmoidais em crianças e fronto-etmoidais nos adultos)

SINAIS E SINTOMAS

O acometimento dos tecidos profundos orbitários pode gerar sinais como:

  • dor, edema e hiperemia palpebral
  • proptose
  • quemose
  • alteração da motilidade ocular
  • diplopia
  • diminuição da acuidade visual
  • dor à movimentação ocular
  • letargia
  • febre
Celulite Pos septal quadro clínico e tomografia de órbita
Celulite pós-septal: observe a distopia e a quemose ocular associada ao acometimento intra-conal na tomografia.
Fonte: Kanski: Oftalmologia clínica, 8. ed. p. 160.

EXAMES COMPLEMENTARES

O exame de imagem (TC de órbita com contraste) é essencial nos casos suspeitos de celulite pós septal para verificar presença de complicações como abscessos que, quando presentes, podem precisar ser drenados para melhora clínica completa. O abscesso subperiosteal é uma complicação característica de celulite orbitária.

Outras possíveis complicações da celulite orbitária:

  • Trombose do seio cavernoso: proptose de rápida progressão, oftalmoplegia, anestesia no trajeto da primeira e segunda divisões do trigêmio
  • Meningite
  • Abcesso cerebral

TRATAMENTO

Na celulite infecciosa pós-septal o tratamento deve ser mais agressivo, sendo necessária internação hospitalar para antibioticoterapia venosa.

A antibioticoterapia deve englobar germes Gram positivos principalmente, porém em adultos deve-se considerar que a infecção costuma ser polimicrobiana e o tratamento deve cobrir gram positivos e gram negativos. Infecção por anaeróbios é mais rara, mas deve ser coberta nos casos de trauma com corpo estranho. Infecção de origem odontológica também pode ser uma casa, e nesses casos os patógenos são aeróbios e anaeróbios gram positivos.

Crianças (até 40 kg)
1a opção: Oxacilina 200 mg/kg EV 6/6h + Ceftriaxone 100 mg/kg EV 12/12h
2a opção: Amoxicilina + Clavunalato 100 mg/kg EV 8/8h
3a opção: Cloranfenicol 100mg/kg EV 6/6h

Adultos
1a opção: Oxacilina 2g EV 6/6h + Ceftriaxone 2g EV 12/12h
2a opção: Amoxicilina + Clavulanato 1g EV 8/8h
3a opção: Levofloxacino 500 mg EV/dia + Clindamicina 600 mg EV 8/8h

O uso de corticosteroides pode acelerar a melhora clínica, mas deve ser usado com cautela devido ao risco de mascarar a infecção.

Em caso de abscesso subperiósteo com persistência ou piora do quadro clínico, está indicada abordagem cirúrgica imediata.

Pode ser necessário abordagem cirúrgica dos seios paranasais por Otorrinolaringologista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BCSC 2020-2021vol. 07: Oculofacial Plastic and Orbital Surgery, p. 43-48

Série Oftalmologia Brasileira, 3 ed: Órbita, Sistema Lacrimal e Oculoplástica, p. 56-59

Manual de doenças oculares do Wills Eye Hospital, 6 ed, p. 148.

Kanski: Oftalmologia clínica, 8 ed. p. 158-160.

Bula Sulfametoxazol + Trimetoprima suspensão oral

Bula Clavulin BD Suspensão oral

Author

Médica formada pela Universidade Federal de Goiás. Residência Médica em Oftalmologia no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás. Fellowship em Glaucoma clínico e cirúrgico no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás.

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