A avaliação de recém nascidos faz parte do nosso dia-a-dia devido ao teste do olhinho. Entretanto, eventualmente encontramos, principalmente no ambiente de plantão, nos deparamos com pais preocupados trazendo seus bebês com um quadro de conjuntivite neonatal . Nesse cenário precisamos abrir um leque de diagnósticos diferenciais e coletarmos informações direcionadas na anamnese para realizarmos um tratamento correto. Esse guia tem o propósito de auxiliar os colegas oftalmologistas no atendimento desses casos.
DEFINIÇÃO
Assuntos abordados
A conjuntivite neonatal é aquela que ocorre no primeiro mês de vida. Pode ser causada por agentes bacterianos, virais ou químicos. Veja na figura 1 abaixo os principais agentes etiológico, de acordo com o momento do início do quadro.
A conjuntivite neonatal apresenta como principal agente etiológico a Chlamydia trachomatis. Essa conjuntivite não apresenta folículos devido à imaturidade do sistema imune nos recém nascidos. Pode apresentar-se com secreção mucopurulenta e evoluir com formação de pseudomembranas.
A conjuntivite neonatal mais grave é a causada por Neisseria gonorrhoeae, transmitida via canal de parto. Ela está cada vez mais rara, devido à profilaxia com o método Credé que consiste no uso de Nitrato de Prata a 1%, que pode causar uma conjuntivite química leve e autolimitada. O nitrato de prata não é eficaz contra a Chlamydia trachomatis, e por isso tem sido substituido pela solução de iodo povidona 2,5%.
A conjuntivite neonatal pode também ser causada pelo vírus Herpes Simples tipo 2, transmitido através do canal de parto.
Lembrando que a cesária não descarta a possibilidade de conjuntivite neonatal de causa infecciosa, pois a infecção materna pode ascender ao útero, principalmente em caso de ruptura prematura das membranas.
QUADRO CLÍNICO
Chlamydia trachomatis
O quadro de conjuntivite neonatal por este agente se inicia tipicamente ao redor de 1 semana de vida. Geralmente começa em um olho e afeta o outro dentro de 2 a 7 dias.
Clinicamente observa-se secreção mucoide ou mucopurulenta leve a moderada, edema palpebral, hiperemia e reação papilar (figura 2). Casos severos podem apresentar secreção abundante e formação de membranas.
Neisseria gonorrhoeae
Caracteriza-se como uma conjuntivite neonatal hiperaguda com desenvolvimento dos sintomas em 24 a 48h (3-4 dias, segundo a AAO). Geralmente é bilateral.
Casos leves podem cursar com hiperemia conjuntival e secreção moderadas, porém, casos severos podem se apresentar com quemose e secreção importantes, úlcera de córnea de rápida evolução e perfuração (figura 3). A secreção pode ser serosanguinolenta nos primeiros dias, seguida por secreção purulenta.
Não podemos esquecer da possibilidade de complicações sistêmicas (artrite, pneumonia, meningite e sepse), que podem resultar em óbito em raros casos.
Herpes Simples tipo 2
A conjuntivite neonatal por esse agente cursa geralmente com lesões cutâneas em vesículas, úlceras orais e ceratoconjuntivite. O acometimento ocular é geralmente unilateral. Pode causar também retinocoroidite. 2/3 dos casos são disseminados, envolvendo não só os olhos, cavidade oral e SNC, mas também o fígado, glândulas adrenais e pulmões.
Conjuntivite química
Geralmente é um quadro auto-limitado, que se resolve em até 72 horas após a instilação do nitrato de prata.
EXAMES COMPLEMENTARES
Conjuntivite neonatal por Chlamydia trachomatis
- Raspado conjuntival evidencia corpos de inclusão intracitoplasmáticos nas células conjuntivais na coloração Giemsa ou Gram
- Cultura
- PCR
- Sorologias
Conjuntivite neonatal por Neisseria gonorrhoeae
- Raspado conjuntival evidencia diplococos gram negativos intracelulares.
- Cultura (ágar chocolate e Thayer-Martin)
Conjuntivite neonatal por Herpes Simples tipo 2
- Raspado conjuntival evidencia células gigantes multinucleadas na coloração Giemsa ou Gram.
- Cultura viral
- PCR do raspado conjuntival
Conjuntivite neonatal por outras bactérias
- Cultura no ágar sangue
TRATAMENTO
Conjuntivite neonatal por Chlamydia trachomatis
Em alguns casos pode evoluir com pneumonite, sendo portanto recomendado o tratamento sistêmico em todos os casos com Eritromicina 12,5 mg/kg VO 4 vezes/dia por 14 dias. Há referências que recomendam associar o tratamento sistêmico ao uso tópico de pomada de Eritromicina, porém, no Brasil não dispomos desse medicamento para uso oftálmico, somente dermatológico.
Irrigação ocular com SF 0,9% 1/1h
Obs.: A mãe e os parceiros devem ser tratados com antibióticos sistêmicos para Gonorreia e Clamídia.
Obs. 2: É frequente a recorrência, sendo que 1 em cada 5 crianças tratadas necessitam de um segundo ciclo de antibiótico. Um efeito adverso possível no tratamento do RN com Eritromicina é a estenose pilórica.
Conjuntivite neonatal por Neisseria gonorrhoeae
Quando houver suspeita que este é o agente causador da conjuntivite neonatal, recomenda-se a admissão hospitalar para avaliação de infecção gonocócica disseminada. Se a infecção gonocócica foi comprovada por cultura, devem ser obtidas também culturas de sangue e LCR.
Tratamento da forma não disseminada:
- Injeção dose única IM de Ceftriaxona (25-50mg/kg, até 125 mg) ou com Cefotaxima 100mg/kg EV ou IM 1x durante 7 dias, ou ainda Penicilina G 4,8 milhões de UI associada a Probenecida 1g VO.
- Irrigação ocular com SF 0,9% 1/1h.
Não são necessários antibióticos tópicos.
Obs 1.: A mãe e os parceiros devem ser tratados com antibióticos sistêmicos para Gonorreia e Clamídia.
Obs 2.: O RN com infecção gonocócica deve ser tratado também para Chlamydia, pela possibilidade de infecção concomitante, além de investigado para outras DST’s (HIV e sífilis).
Obs 3.: O RN deve ser isolado até 24 horas após a antibioticoterapia.
Conjuntivite neonatal por Herpes Simples tipo 2
RN a termo: Aciclovir EV 45 a 60 mg/kg/dia, divididos em 3 doses diárias por 14 dias (extender até 21 dias se doença disseminada ou acometimento do SNC).
Conjuntivite química
Conduta expectante. Pode ser prescrito colírio lubrificante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BCSC 2020-2021: Pediatric Ophthalmology and Strabismus.
Série Oftalmologia Brasileira: Córnea e Doenças externas, 3 ed.
Makker K, Nassar GN, Kaufman EJ. Neonatal Conjunctivitis. [Updated 2020 Dec 28]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441840/
Neonatal Conjunctivitis (Ophthalmia Neonatorum): Background, Etiology, Epidemiology (medscape.com)