Não é uma situação comum no nosso dia-a-dia, mas quando nos deparamos com uma lesão hiperpigmentada na coroide ao realizarmos uma fundoscopia de rotina, nos perguntamos se aquilo pode ser um melanoma. Existem sinais clínicos que podem nos ajudar a avaliar esse risco, e também é importante saber quais exames complementares solicitar para prosseguir com uma investigação. Vamos rever abaixo as informações mais importantes para conduzir esses casos com propriedade.

DEFINIÇÃO

O melanoma de coroide é o tumor intraocular primário mais comum no adulto (se considerarmos apenas tumores intraoculares, não-primários, o primeiro lugar fica com as metástases), tendo sua origem em melanócitos da úvea.

O melanoma de coroide é mais comumente diagnosticado entre os 45 e 80 anos, e podemos citar como fatores de risco: caucasianos, portadores de melanocitose oculodérmica, nevo de coroide, síndrome displásica do nevo, portadores da mutação germinativa BAP1

O diagnóstico do melanoma de coroide é baseado na história do paciente, exame clínico, fundoscopia e exames complementares como ecografia ocular e OCT.

QUADRO CLÍNICO

Os pacientes com melanoma de coroide podem apresentar-se com metamorfopsias e baixa visual. Nesses casos é possível que já estejam avançados. Podem ser detectados mais precocemente, antes dos sintomas visuais, em exames oftalmológicos de rotina.

EXAME FÍSICO

Ao exame de fundoscopia o melanoma de coroide apresenta-se comumente como uma massa sub-retiniana elevada, de coloração que varia entre dourado, tons castanhos ou ainda marrom escuro; consistência sólida, formato em redoma ou em cogumelo (figura 1). Pode ocorrer neovascularização da íris em casos avançados.

Melanoma de coroide avançado fundoscopia
Figura 1: (A) Melanoma de coroide típico. (B) Melanoma de coroide amelanótico.
Fonte: Kanski: Oftalmologia Clínica, 8 ed, p. 753.

Veja abaixo um clássico mnemônico sobre os fatores de risco para malignização de uma lesão melanocítica coroidal. Há um risco maior que 50% de malignização quando são achados 3 ou mais desses fatores:

1) “TFind Small Ocular Melanoma Using Helpful Hints Daily”.
Thickness > 2mm. (espessura)
Fluid – Subretinal fluid. (fluido subretiniano)
Symptoms. (sintomas)
Orange pigment. (presença de pigmento laranja = lipofuscina)
Margin within 3 mm of the optic disc. (margem dentro de 3mm do disco óptico)
Ultrasonographic Hollowness. (vazio acústico na ultrassonografia)
absence of surrounding Halo. (ausência de halo ao redor da lesão. Nevus geralmente apresentam halo circundante representando atrofia retiniana)
absence of Drusen. (ausência de drusas)

Esse mnemônico foi revisto em 2019 por Shields et al., passando a se tornar:

2) “TFind Small Ocular Melanoma Doing IMaging”:
Thickness > 2mm. (espessura > 2mm)
Fluid – Subretinal fluid. (fluido subretiniano)
Symptoms. (sintomas)
Orange pigment. (presença de pigmento laranja = lipofuscina)
Melanoma hollow on ultrasound. (vazio acústico na ultrassonografia)
DIaMeter > 5mm on fundus photography. (diâmetro > 5mm na fundoscopia)

Observe as figuras 2 e 3 abaixo que demonstram características de benignidade e de malignidade em lesões pigmentadas na coróide.

Nervo de coroide fundoscopia
Figura 2: Nevo de coroide. Observe as características de benignidade: presenças de drusas e de halo ao redor da lesão.
Fonte: Kanski: Oftalmologia Clínica, 8 ed, p. 749.
Melanoma de coroide fundoscopia
Figura 3: Lesão suspeita de melanoma: observe a proximidade ao disco, presença de pigmento laranja, ausência de drusas e de halo ao redor da lesão.
Fonte: Kanski: Oftalmologia Clínica, 8 ed, p. 749.

EXAMES COMPLEMENTARES

  • Ultrassonografia ocular:
    • Modo A revela a formação do ângulo Kappa nos casos de melanoma de coroide (baixa refletividade interna com redução dos ecos em direção à face posterior);
    • Modo B possibilita obter informações sobre o tamanho, formato, extensão do melanoma de coroide;
  • Retinografia colorida: Importante para documentação e seguimento;
  • OCT: É mais preciso do que a ultrassonografia para realizar medida de lesões menos espessas que 1 mm, especialmente no modo EDI (enhanced depth imaging).

Obs1.: A angiofluoresceinografia tem importância limitada nos casos de melanoma de coroide.

Obs2.: A autofluorescência pode ser útil pra detectar pigmento laranja, que pode não ser bem visualizado à fundoscopia.

Observe a imagem 4 abaixo que demonstra as alterações vistas nos exames complementares da investigação de suspeita de melanoma de coróide.

Melanoma de coroide fundoscopia ultrassonografia angulo kappa
Imagem4: Melanoma de coroide. (A) fundoscopia revelando lesão com pigmentos alaranjados. (B) autofluorescência demosntrando hiperautofluorescência inferior ao tumor, correpondendo ao fluido subretiniano. (C) US modo A demonstrando a típica zona de baixa refletividade interna. (D e E) US modo B mostrando melanoma. (F) US modo B evidenciando extensão extraescleral do tumor
Fonte: BCSC 2019-2020, vol. 04: Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors, p. 355.
  • Avaliação metastática: após confirmado o diagnóstico de melanoma de coroide, todos os pacientes com melanoma de coroide devem ser avaliados para metástase, sendo o fígado o principal sítio de metástase. Recomenda-se realizar exames de imagem do abdome e do tórax.

TRATAMENTO

O tratamento do melanoma de coroide é controverso na literatura, sendo que os principais fatores para decisão do tipo de tratamento são o tamanho e a localização do tumor, sendo que:

  • Tumores posteriores, sem sinais de atividade, com até 2 mm de espessura podem ser acompanhados periodicamente;
  • Tumores com até 4mm, com crescimento, ou fatores de risco para crescimento ou de metástase, bem como tumores com espessura entre 4 e 10 mm, são preferencialmente tratados com braquiterapia associada ou não a termoterapia transpupilar (TTT);
  • Tumores maiores, com prognóstico visual reservado, indica-se enucleação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BCSC 2019-2020, vol. 04: Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors

Kanski: Oftalmologia Clínica, 8 ed

Série Oftalmologia Brasileira, 3 ed: Iatrogenias, Manifestações oculares de doenças sistêmicas e Oncologia Ocular.

Author

Médica formada pela Universidade Federal de Goiás. Residência Médica em Oftalmologia no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás. Fellowship em Glaucoma clínico e cirúrgico no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás.

Comente neste post